terça-feira, julho 20, 2010

5 passos para a 'revolução' constitucional

Proposta

A proposta de revisão constitucional que o PSD vai aprovar amanhã na comissão política é uma verdadeira revolução da lei fundamental. A comissão nomeada por Passos Coelho para elaborar o projecto propôs alterações a 98 dos 296 artigos da Constituição. Vinte e cinco artigos e onze alíneas são suprimidos do texto que foi negociado após a Revolução de 25 de Abril. A moralização da actividade política e os "cortes" do Estado social são algumas das principais alterações.


1. Economia. "Tendencialmente gratuito" riscado da educação e saúde

A expressão "justa causa" deixa de fazer parte do artigo da Constituição que impõe as condições para os despedimentos. No seu lugar, o PSD quer escrever "razão atendível". É uma pequena mudança de palavras, mas que pode abrir a porta a uma grande mudança da lei laboral. Embora ambas as expressões estejam sujeitas a uma interpretação jurídica - que será sempre relativa -, parece claro que a segunda é menos restritiva. Pedro Passos Coelho já defendeu várias vezes uma maior flexibilização das regras laborais.
Foi um dos motes da revisão e será um dos pontos que maior contestação vão merecer à esquerda. Passos propõe que se risque da Constituição as alíneas que atribuem ao Estado o dever de assegurar o acesso "tendencialmente gratuito" aos cuidados de saúde e à educação. O PSD substitui essa expressão pela garantia de que "em caso algum" o acesso pode ser recusado "por insuficiência de meios económicos". Sem pôr em causa a universalidade no acesso àqueles serviços básicos, o líder laranja quer que os portugueses possam escolher entre um serviço privado sem terem de pagar pelo público.
A somar às alterações, são suprimidos mais de 20 artigos, a maioria sobre a organização económica. Onde antes se impunha a coexistência do sector público e privado, o PSD quer consagrar a "economia aberta".

2. Balança de poderes. O Presidente sai reforçado e o Governo é o que mais perde

O Presidente passa a ter o poder de demitir o Governo, desde que ouvido o Conselho de Estado. Actualmente, o Chefe do Estado pode provocar indirectamente a queda do Executivo dissolvendo a Assembleia. Foi isso mesmo que se passou com Santana Lopes quando Jorge Sampaio estava em Belém. Na Constituição original, o Presidente tinha o poder de demissão do Governo, mas perdeu-o na revisão de 1982.
A moção de censura também é alvo de grandes alterações. O PSD propõe que, no caso de ser aprovada, a moção não só faz cair o Executivo como dissolve a Assembleia e abre o caminho a eleições antecipadas. Mas há uma alternativa. Os partidos podem unir-se para derrubar o Governo e concordarem, ao mesmo tempo, num novo primeiro-ministro. A isto chama-se moção de censura construtiva.
O Governo perde também poderes na definição da política europeia. O PSD quer que o Parlamento discuta matérias da competência do legislativo antes das reuniões do Conselho Europeu e que as orientações do Parlamento sejam vinculativas.
O PSD quer alargar em um ano os mandatos do Presidente da República e da Assembleia - logo, do Governo. O Presidente passaria a cumprir mandatos de seis anos. A legislatura seria estendida para cinco anos. A sessão legislativa passa a começar em Julho, em vez de Setembro.

3. Justiça e autonomia. Representante da República a dividir por Açores e Madeira

A justiça é uma das bandeiras de Passos Coelho e isso ficou provado na proposta de revisão constitucional. O PSD concretiza na lei fundamental um extenso rol de garantias dos arguidos e estabelece as condições para violação da correspondência e violação do domicílio.
O Ministério Público passou ao lado das mudanças propostas pelo PSD, mas Passos quer que o presidente do Conselho Superior de Magistratura passe a ser eleito pelos seus pares.
Os Estatutos político-administrativos e a Lei das Finanças das Regiões Autónomas - que tanta polémica deram nos últimos dois anos - passam a precisar de uma maioria qualificada de dois terços para serem aprovadas na Assembleia da República. Há também uma clarificação das competências das assembleias regionais.
Alberto João Jardim, presidente do Governo Regional da Madeira, tinha pedido a extinção do cargo dos representantes da República nas regiões autónomas. Passos Coelho fez-lhe meia vontade. O PSD propõe que a República passe a ter um representante apenas para os Açores e para a Madeira.
Passos Coelho confessou no seu livro Mudar que quer relançar a regionalização. A ideia é começar pelo Sul, fazendo do Algarve uma região-piloto. Por isso, propõe apagar da Constituição a obrigação do processo de regionalização avançar em simultâneo por todo o País.

4. Moralização política. Políticos corruptos podem ser proibidos de se recandidatar

O Conselho da República, prometido por Passos Coelho no seu Congresso de entronização, ganha forma na proposta de revisão constitucional do PSD. Uma das suas competências será a de aconselhar o Governo e a Assembleia na nomeação do procurador-geral da República, dos dirigentes das entidades independentes e dos gestores públicos. Além disso substitui o Tribunal Constitucional passando a ter o crivo dos rendimentos dos políticos e titulares de cargos públicos. O Conselho será constituído por membros escolhidos pelo Presidente, a Assembleia e o Conselho Superior da Magistratura.
Marques Mendes retirou a confiança do PSD aos autarcas envolvidos em casos de justiça, mas nem por isso conseguiu impedir a sua reeleição. Alguns anos depois, Passos Coelho propõe que a Constituição impeça políticos condenados de se re-candidatarem. Na proposta de revisão lê-se que a lei determina "efeitos" pelos crimes cometidos, os quais "podem incluir" a destituição do cargo e a perda do mandato, mas também a "inelegibilidade para mandatos subsequentes".
É mais passo para combater as nomeações partidárias ou, na forma mais popular, os jobs for the boys. O PSD quer proibir os Governos de gestão de designarem dirigentes para administração pública ou para entidades controladas pelo Estado.

5. Outras. A República está de pedra e cal e os referendos valem quando ganha a abstenção

Das três vezes que os portugueses foram chamados a pronunciar-se em referendo - sobre a regionalização e o aborto -, a participação não chegou aos 50%. Na forma actual, a constituição estabelece que esse resultado não é vinculativo porque não votaram mais de metade dos eleitores inscritos. Receando que a história se repita e levante dúvidas e polémicas no futuro, o PSD decidiu apagar essa condição da lei fundamental.
Foi fumo sem fogo a notícia de que Passos ia apagar da Constituição o limite que garantia a República como forma de Estado, numa cedência à causa monárquica. Mas a palavra República foi mesmo substituída pelo neutral Estado, quando se fala do dever de protecção das Forças Armadas.
O Orçamento do Estado continua a ser aprovado todos os anos, mas na proposta do PSD a lei deverá passar a estabelecer condições para orçamentos plurianuais. E uma espécie de constitucionalização do PEC, que tem metas a quatro anos. Esses planos plurianuais devem ser acompanhados e sujeitos a relatórios e fiscalização.
Trinta e quatro anos depois da entrada em vigor da Constituição são muitas as marcas revolucionárias que se mantêm no texto. Exemplo disso é o artigo 292º sobre a Incriminação e julgamento dos agentes e responsáveis da PIDE/DGS (polícia política do Estado Novo). O PSD quer apagá-lo, como a outros 24 artigos da CRP.

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