domingo, agosto 08, 2010

Pão: indústria pede fim de restrições às importações para suportar preços



Mais aumentos em cima da mesa

A Associação do Comércio e da Indústria de Panificação e Pastelaria (ACIP) apelou hoje ao Governo para que as restrições às importações sejam abertas, avisando que as empresas não conseguirão suportar novos aumentos da farinha.


Em declarações à agência Lusa, o presidente da ACIP, Carlos Santos, explicou que, à semelhança do que aconteceu em 2008, o Governo deveria "permitir que as importações de países como os EUA ou o Canadá" sejam permitidas, para se corrigir o mercado.
"Já se falam em novos aumentos e estes, a concretizarem-se, em mês e meio a farinha aumentará 50 por cento", avisou o responsável, referindo que as empresas "não estão em condições de suportar novos aumentos".
A associação já avisou que esta semana algumas empresas deverão aumentar o preço do pão, resultado da subida acumulada de 30 por cento no preço da farinha, depois de uma actualização feita no mês passado e de uma outra agendada para a próxima semana.
De acordo com Carlos Santos, alguns industriais já adiantaram que nos próximos dias irão actualizar as tabelas para os preços de 2008, altura em que o preço médio do pão chegou a sofrer um aumento entre os 25 e os 30 por cento, reagindo a uma duplicação do preço da farinha.
"Os últimos aumentos da principal matéria-prima justificam aumentos e que as empresas analisem as contas e verifiquem o que precisam de fazer", sublinhou o responsável, lembrando que Portugal importa 90 por cento de trigo, a principal matéria-prima usada na confecção do pão.
De acordo com a ACIP, o valor médio do pão ronda atualmente os 12 e os 17 cêntimos (40 a 45 gramas), sendo habituais no sector aumentos em unidades de 1 cêntimo, dependendo de cada empresa.
"Ninguém está preparado para os aumentos no pão. Além disso, os aumentos nos cereais não provocam apenas aumento no pão, mas também na carne [enquanto ração] e em outros alimentos", disse.
Na semana passada, o trigo atingiu o valor mais alto em 23 meses, no mesmo dia em que a Rússia, o terceiro maior produtor do mundo, decretou a proibição das exportações depois da pior seca do país nos últimos 50 anos.
Segundo o presidente da ACIP, "os empresários vão ter de ir analisando dia a dia, semana a semana, e ir actualizando as tabelas se for necessário".

Uma espécie de "Big Brother" da vida de José Saramago



Apresentação mundial de "José e Pilar" na Festa Literária Internacional de Paraty

"Não queria estar na pele da Pilar quando eu desaparecer, mas de toda a maneira vamos ficar perto um do outro, as minhas cinzas vão ficar debaixo da pedra do jardim", ouve-se José Saramago dizer no vídeo que o realizador português Miguel Gonçalves Mendes preparou para apresentar na 8ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), onde o escritor foi ontem à noite homenageado. "Medo? Não. A morte para mim é a diferença entre estar e já não estar." José Saramago, que morreu no dia 18 de Junho, vira-se para a câmara e diz: "Pilar, encontramo-nos noutro sítio" e apaga uma luz.


Os 40 minutos exibidos na Flip, com cenas que estão incluídas no documentário "José & Pilar" e outras que não estarão, fazem crer que Miguel Gonçalves Mendes quis fazer "um filme sobre a intimidade de duas pessoas extraordinárias", como notou o jornalista e escritor brasileiro Arthur Dapieve, que conduziu a conversa que se seguiu com o realizador que durante três anos filmou a vida do Prémio Nobel.
A Tenda dos Autores, um dos locais onde se realizam as sessões com os escritores e convidados da Flip, estava cheia. "Pilar, vou para casa", diz Saramago. E vai. Em seguida vê-se o escritor sentado à sua secretária na casa de Lanzarote, em Espanha, depois de ter colocado um disco de música clássica no leitor de CD. Olha para o computador, encosta-se para trás na cadeira como se estivesse a pensar, como se fosse difícil o processo de escrita. O espectador ainda não viu o ecrã. Ele pega no rato, clica: "Este para aqui e este para ali". De repente, o público que assiste ao desata às gargalhadas. Saramago não está a escrever um novo livro, José está a jogar paciências no computador. "Está ganho. As cartas fazem uma espécie de dança" e são boas para que afugentar o Alzheimer, diz. Pouco depois, Pilar aparece, tem que ligar alguma coisa na secretária onde o escritor está sentado, e ele, com ar de garoto maroto, dá-lhe uma palmada no rabo. Também os vemos de mão dada, à noite, sentados no sofá a ver televisão.
Assistimos à rotina do dia-a-dia, ao casamento, à entrega a Pilar das páginas que José Saramago vai escrevendo, e a seguir, vemos a espanhola a traduzi-los para castelhano. A determinada altura as vozes dos dois sobrepõem-se, lêem os mesmos excertos dos livros em línguas diferentes (português e castelhano).
Ao contrário de escritores que viveram a boémia, "a minha vida não tem qualquer espécie de interesse. Onde eu ponho as coisas que são verdadeiramente importantes é nos meus livros", afirma Saramago, lembrando que "o tempo aperta" e que quando o tempo aperta há um sentimento de urgência. Nos excertos de "José & Pilar", que ontem no Brasil foram apresentados mundialmente pela primeira vez (a estreia nos cinemas portugueses está marcada para Novembro, mas haverá uma apresentação a 14 de Outubro no DocLisboa), assistimos ao momento em que dentro de um avião, algures entre a Europa e a cidade brasileira de São Paulo, Saramago se vira para a mulher e lhe diz: "Tive uma ideia sobre Caim". Pilar, chama a hospedeira e pede: "Por favor uma cerveja, uma cerveja. Estou a ter um ataque de pânico." Bebe a cerveja de um trago. Saramago teve a ideia daquele que acabou por ser o seu último livro.

O documentário possível

Miguel Gonçalves Mendes, que é também o realizador do documentário “Autografia" sobre Mário Cesariny que recebeu o Prémio Melhor Documentário Português no DocLisboa 2004, tem mais de 230 horas filmadas. Fez uma primeira montagem do filme com seis horas e agora tem uma versão final de duas horas. "O que acabámos de ver", explica Miguel Gonçalves Mendes, "não tem a ver com o filme. O documentário não tem uma única entrevista. No filme Saramago não aparece como aqui a falar para a câmara. É mesmo só o dia-a-dia. Sem ser pejorativo, o filme é uma espécie de Big Brother da vida de José Saramago. Desde a ideia que ele teve para o livro «A Viagem do Elefante» (2008) até ao final, acompanhando uma fase muito má da vida dele que foi quando adoeceu." Mas, assegura, o filme apesar de triste é também muito optimista, passa por lá a "vontade de viver e de amar", sem “rodriguinhos”.
"Para dizer a verdade, não tenho o filme que queria. Precisava de mais seis meses de edição e não tenho dinheiro para o fazer. Já estou a montar há um ano e meio e portanto é uma loucura continuar a trabalhar” nele, afirmou Miguel Mendes. "José & Pilar" é co-produzido pela produtora 02, do realizador brasileiro Fernando Meirelles e pela produtora de Pedro Almodóvar, El Deseo. Apesar disso, Mendes, que também é um dos produtores do filme, disse na Flip que o filme foi muito caro, pois teve três anos de filmagens com viagens por várias partes do mundo. "Estou com dívidas de 100 mil euros e a reformular o empréstimo da minha casa. É assim, é a vida. Vivendo e aprendendo."O realizador teve a ideia para este projecto depois de ter filmado José Saramago para um documentário que fez sobre a relação de Portugal com a Galiza. Quando o autor de "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" viu o documentário premiado de Miguel Mendes sobre o poeta e pintor surrealista Mário Cesariny, disse-lhe: "Ah, Miguel eu aceito que faças o documentário sobre mim. Tenho é medo de não ser tão interessante como o Cesariny."
O documentário "José & Pilar" termina com José Saramago a declarar a Pilar del Río que se tivesse morrido aos 63 anos, antes de a conhecer, teria morrido muito mais velho do que quando chegasse a sua hora. O único Prémio Nobel da Literatura português esperava "morrer lúcido e de olhos abertos". Pelo menos gostaria que fosse assim. E foi.

Fisco: Pilar del Río acusa entidades espanholas de perseguição política a Saramago



Nobel português pensou em pedir nacionalidade espanhola

A viúva de José Saramago, Pilar del Río, considera que a alegada dívida do Prémio Nobel da Literatura português ao Estado espanhol é "uma perseguição claramente política" por parte de entidades espanholas, fruto das posições públicas de José Saramago contra a guerra no Iraque. Em entrevista ao "Diário de Notícias" publicada hoje, Pilar del Río diz ainda que recusou várias vezes que o escritor pedisse a nacionalidade espanhola e anuncia que vai publicar o último texto em que Saramago trabalhava, o princípio de um livro.


"Pensámos em vários momentos conjuntamente. Ele, pedir a espanhola, e eu, a portuguesa. (...) Mas eu recusei sempre que ele pedisse a espanhola", diz a jornalista e presidenta da Fundação José Saramago. O motivo: "Porque ele é um símbolo de Portugal". Sobre o pedido de nacionalidade portuguesa, revelado pela primeira vez ao diário brasileiro "Globo" e confirmada ao PÚBLICO a 26 de Julho, a viúva do escritor reitera ao DN que a sua motivação foi "emocional. Sem razão. Creio que lhe devo [a José Saramago] isso, ponto."
Quanto à polémica com o fisco espanhol, Pilar del Río queixa-se de "insensibilidade dos meios de comunicação social" pelo timing e explica que José Saramago tentará já resolver o problema. "Saramago cumpriu civicamente com os seus deveres e, quando isto começou há dez anos, pediu auxílio ao Governo de Portugal, o primeiro-ministro de Portugal e o primeiro-ministro de Espanha disseram-lhe que estava resolvido". "Por outro lado, houve alguém dentro do fisco espanhol que teve muito empenho em que isto não estivesse resolvido", acusa.
Trata-de se um caso que remonta ao final dos anos 1990. Em Abril, um tribunal condenou o escritor a pagar os seus impostos em Espanha e não em Portugal, por entender que a sua residência fiscal se encontrava naquele país. Em causa está o pagamento de 717.651 euros ao fisco espanhol, referentes aos anos de 1997, 1998, 1999 e 2000, em que o escritor pagou os seus impostos em Portugal. Em 2008, o Tribunal Económico Administrativo Central espanhol entendeu que o escritor vivia permanentemente em Espanha (em Tías, Lanzarote) e que aí devia responder perante o fisco. É desde então que se arrasta este processo.
Pilar del Río considera que o facto de o caso não estar resolvido "foi uma perseguição claramente política", apontando o dedo a "alguém muito concreto de Espanha". "Todo este problema surgiu quando Saramago pegou na bandeira da guerra contra o Iraque; quando Saramago enfrentou o Governo dos Estados Unidos e também o de Espanha por causa dessa guerra".
Sobre a obra póstuma, a viúva do único Nobel da Literatura em língua portuguesa indica que o início de um livro (50 páginas) que Saramago tinha por terminar será publicado enquanto tal: "Não é um livro porque ainda não estava acabado. Não vamos enganar ninguém". O inédito "Clarabóia", cuja publicação foi vedada a um jovem Saramago, será também um dia editado, mas Pilar del Río não avança datas. "Não há pressa".
Pilar del Río estima ainda que a Fundação José Saramago, na Casa dos Bicos, em cujo jardim fronteiro repousarão as cinzas do escritor, esteja pronta em Junho de 2011, salvaguardando a data perante a complexidade das obras em curso.

Líderes políticos concentram "rentreés" no final de Agosto



O PSD dá o pontapé de saída no Pontal, embora o local seja Quarteira. O PS escolhe Matosinhos de triste memória. E o BE profere palestras em Braga. Os restantes partidos mantêm a tradição: o PCP abre a temporada no Seixal e o CDS-PP na Praça do Peixe, em Aveiro.
É já no próximo sábado que o PSD realiza a habitual Festa do Pontal que, nas palavras do seu organizador de sempre, Mendes Bota "volta a ser a festa da rentreé social-democrata". "Este líder apostou de novo na festa e vai abrir as hostilidades" no palco do calçadão de Quarteira, assinalou ao JN o líder da distrital do PSD/Algarve, que espera "muitas caras conhecidas", mas não adianta nomes, para não criar "casos", como em anos anteriores.
Com três mil lugares reservados para o jantar, Bota afirma que "já vai longe o tempo dos piqueniques cheios de pó, do chichi atrás dos pinheiros e do cheiro a sardinha assada", quando a festa se realizava na mata do Pontal, hoje urbanizada. E vão também longe os apertos financeiros de 1996, quando "o partido estava falido e foi o Marcelo que me deu do bolso dele cinco mil contos para a festa", recorda.
O dirigente disse ainda ao JN que é "na aliança entre as massas e a 'inteligentzia' que reside o sucesso, pois um partido só com cabeças pensantes, mas incapaz de sair à rua, também não vai longe, com se viu nas últimas eleições".
Algumas dessas "cabeças" do PSD estarão na Universidade de Verão, em Castelo de Vide, de 30 de Agosto a 4 de Setembro, que inclui cinco jantares-conferência protagonizados por portugueses com êxito no estrangeiro, Leonor Beleza, Alexandre Relvas e três independentes.
Os dois partidos mais à Esquerda do espectro político também não vão esperar por Setembro. O BE renovou a iniciativa dos comícios nocturnos no Algarve e realiza de 27 a 29 de Agosto, em Braga, o fórum de discussão "Socialismo 2010", com a presença de Francisco Louçã e do líder parlamentar, José Manuel Pureza. Na mesma linha, o PCP criou a caravana de Verão, que precede a Festa do "Avante!", de 3 a 5 de Setembro, no Seixal, onde se espera que Jerónimo de Sousa apresente, no comício de encerramento, o candidato do partido às presidenciais de Janeiro de 2011.
Tal como os comunistas, o CDS não abdica de fazer o comício de fim da tarde, dia 28, na Praça do Peixe, em Aveiro, depois dos workshops de formação em política para militantes.
Quanto ao PS, o Secretariado Nacional ainda não discutiu em pormenor a "rentreé". Porém, deverá ocorrer a 4 de Setembro, num comício com José Sócrates, em Matosinhos, cidade onde faleceu em Março de 2004, o então cabeça de lista às eleições europeias, Sousa Franco.

Livro inacabado "não é para fazer negócio"

Entrevista com Pilar del Río

Ainda há muito espólio literário para revelar?

Não.

Só o último livro que estava a escrever?

Sim. Mas não é um livro.

Não será publicado?

Sim, será publicado. Creio que é um texto maravilhoso, cheio de humor, com uma profundidade e uma carga que merece que seja publicado. Mas não é um livro porque não ainda estava acabado. Não vamos enganar ninguém.

É o princípio de um livro?

Claro, e ao qual os leitores têm direito. Como? Quando? De que maneira? Isso, logo veremos como acontecerá. E não é para fazer negócio.

Não há mais nada desconhecido na arca de Saramago?

O que havia não publicado viu-se na exposição A Consistência dos Sonhos. Não há mais, lamento. Saramago não era um autor que escrevesse e fosse metendo em gavetas para o futuro. Foi um autor tardio, e aquilo que escrevia ia publicando. Existe, sim, uma obra da juventude, de que já falámos mil vezes - Clarabóia - e da qual disse "não a quero ver publicada em vida". Mas como não proibiu que o fosse depois, assim irá acontecer um dia. Evidentemente, será como apresentado como uma obra de juventude, como o foi Terra do Pecado.

Quando se prevê essa publicação?

Ainda não houve tempo para se pensar no assunto.

Para este último "romance" já existe uma data de publicação?

Ainda não falámos com os editores nem com a agente literária. Não há pressa.

Quantas páginas tem?

Teria de as ter contado mas nem sequer as tenho numeradas no meu computador. Mas não serão muitas, cerca de 50.

Qual é o título?

...

José Saramago dizia sempre que a obra de um escritor nunca estava completa sem publicar as cartas dos leitores. Pensa editá-las?

Isso poderia ser um trabalho para cinco teses de doutoramento, pois a quantidade de cartas que lhe foram enviadas é impressionante. O que vai publicar-se imediatamente será uma recolha de alguns artigos que se escreveram em torno da sua morte. Será intitulado Palavras para Saramago e é uma selecção de artigos de colegas do meu marido, escritores de todo o mundo. Seria uma pena que por terem sido publicados em Espanha não os conheçam em Portugal e vice--versa. Ou porque foram publicados no México ou nos EUA não se conheçam aqui.

E ainda foram bastantes!

É que não eram textos de circunstância. Tomei essa decisão esta semana porque, pela primeira vez, fui capaz de começar a ler jornais e fiquei perplexa com algumas coisas que encontrei. Textos impressionantes, dos quais disse logo: "É preciso dar a conhecer isto."

Haverá alguma reunião de textos avulsos em livro?

Muitos desses textos - prólogos ou prefácios, por exemplo - estão publicados nos Cadernos de Lanzarote ou no Caderno de Saramago. Não tenho conhecimento de que haja uma grande quantidade de coisas por publicar.

Aumentou o interesse dos investigadores na consulta do espólio?

O material mais importante já estava na exposição, mas temos tido algumas solicitações.

A leitura da obra irá mudar agora?

Não…

Saramago era bem conhecido...

Há uma quantidade de livros sobre a obra de José, em muitos idiomas, e não creio que algum autor altere a sua percepção da obra por ele ter morrido. Também duvido muito que se inventem muitos mais temas desde o momento em que até se estudou o gerúndio na obra de Saramago. Há, no entanto, muitos trabalhos que desconhecemos porque não estão traduzidos - é o caso do Irão, onde existem vários - mas esse é o problema do trabalho universitário, porque é pouco divulgado fora da própria universidade.

Para onde irá a exposição A Consistência dos Sonhos?

Em princípio irá para Madrid e vai contar com novos elementos. Há muitos livros traduzidos no entretanto - e outros sobre Saramago que não estão em exposição - como é o caso de A Viagem do Elefante e de O Caderno, que teve uma crítica impressionante nos Estados Unidos e na Alemanha.

"A biblioteca de Lanzarote é a jangada de pedra para os EUA e África"

Entrevista com Pilar del Río

Falou-se em fazer os roteiros de Saramago na terra onde nasceu. Sempre avançam?

A mim parece-me muito bem a proposta, e gostava muito que tal acontecesse. Há um grupo que estava a fazer um levantamento e até já se tinha decidido onde colocar fragmentos das Pequenas Memórias em vários sítios da Azinhaga. E ao José essa proposta emocionou-o muito, mas ainda não avançou. Outro roteiro que acho muito interessante é o Caminho do Elefante, baseado no livro A Viagem do Elefante. Seria uma rota turística de primeira porque toda essa zona de Portugal tem um fio condutor magnífico e poderia servir como um veículo de desenvolvimento cultural.

Como seria o roteiro?

Começaria no Mosteiro dos Jerónimos, seguiria pela terra de Camões, Constância, e acabaria em Castelo Rodrigo. Podia estabelecer-se com este roteiro um veículo cultural muito importante entre as pessoas e as terras. Se eu fosse ministra do Turismo ou da Cultura, desde logo que o assumiria como um projecto misto de desenvolvimento cultural e turístico. A maior parte das pessoas não conhece a riqueza do interior de Portugal.

A biblioteca de Saramago em Lanzarote tem tido visitantes?

Ainda há dias estávamos a limpar os tapetes e chegaram uns portugueses a perguntar se podiam visitar. "Por Deus, estamos nas limpezas, é domingo à tarde", mas entraram! Há visitas de turistas marcadas e, diariamente, vêm bastantes visitantes.

O que significa esta biblioteca?

É a jangada de pedra que foi lançada da Península Ibérica até à América e à África. Há também um projecto do Estado para que não se perca o vínculo de Saramago com Espanha, que passa por Lanzarote. De momento, é apenas um projecto, mas pressuponho que esteja muito consistente.

Os pólos da Azinhaga e de Castril também vão manter actividades?

O da Azinhaga é lógico, mas o de Castril é mais pessoal, porque não há tanto o vínculo de Saramago mas sim da minha família. Têm o festival Sete Sóis e Sete Luas e no próximo dia 18 vão fazer uma homenagem com a inauguração do Centro Saramago, como estava planificado e sonhado há anos. Essa é outra das iniciativas onde eu deveria ir e estar porque estarão presentes todas as autoridades.

"Nunca deixei Saramago pedir a nacionalidade espanhola"



Entrevista com Pilar del Río

Cinquenta dias após a morte do Nobel, Pilar del Río abriu a porta da sua casa de Lanzarote para recordar o marido. Lembra o pequeno-almoço que ficou por tomar e conta que o escritor lhe prometera que o livro que estava a escrever seria o último. A partir daí, o tempo que lhe restava seria para viver a dois. Apesar das solicitações vindas de todo o mundo para celebrar Saramago, observa-se muita tristeza em Pilar e alguma dificuldade inicial em se abordar temas sobre o falecimento. Nos primeiros minutos, o nome de José nunca é pronunciado, e só pouco a pouco o faz. Só ficará igual a si mesma quando acusa o fisco espanhol de perseguição política.

Parece que está mais triste e sem a alegria com que a víamos...

Que não era assim tanta porque nos últimos anos não havia. Eu sabia o que estava a acontecer e estava a conter-me, era uma loba a defender o meu marido. Nos últimos anos fui uma loba e, agora, em algumas imagens noto e vejo até que ponto em tudo o que estava relacionado com o meu marido estava sempre tensa quando com outras pessoas. Porque era uma loba a defender a minha alcateia, que era o meu marido.

Tanto enquanto homem como enquanto escritor?

Tudo o que pudesse afectar o seu delicado estado de saúde. Ele queria tempo, e eu disse-lhe: "Vou facilitar-te a vida em tudo o que esteja ao alcance das minhas mãos para que tenhas tempo."

Ele estava consciente de que o fim estava para breve?

Não! Não sabíamos se ia durar mais ou menos. Eu pensava que podíamos ir no final deste Verão a Lisboa e acreditava absolutamente nisso. Mas nos últimos tempos ele teve um problema, de que não chegou a inteirar-se, e acelerou-se o final. Mas, na verdade, eu não contava que se fosse produzir tão rapidamente.

Doença para além da pneumonia?

Foi tudo consequência do mesmo. Não quero entrar em assuntos médicos, mas ao ter tido a pneumonia começaram a activar-se coisas que tinha desde que era criança. Na Península Ibérica nos anos 20 - e nos anos 30, 40 e até 50 - todos tínhamos uma série de problemas de saúde e, quando se activaram, para além da pneumonia, provocaram-lhe complicação atrás de complicação.

Chegou-se a falar de um cancro. É verdade?

Não, o que tinha era uma leucemia crónica. Mas essa foi uma doença com a qual ele viveu toda a vida e que lhe descobriram por acaso numa operação à vista. Mas era crónico e não tinha problema nem sequer tratamento.

Ele foi-se apercebendo da situação?

Ele… acreditou que podia ultrapassá-lo. Como ultrapassou uma vez, poderia ultrapassar a segunda.

Acreditou sempre?

Ele morreu a 18, mas no dia 14 de Junho, quando celebrámos o nosso aniversário [de casamento], disse: "Celebraremos outros 24." Até disse: "Celebraremos muitos mais." Já estava a começar a fazer exercícios para recuperar a massa muscular, porque se na vez anterior já a tinha recuperado também iria recuperá-la desta segunda vez. Só que eu sabia que desta segunda vez ele não iria recuperá-la.

Os portugueses ficaram muito espantados por ter pedido a nacionalidade. Qual foi mesmo a razão?

Emocional. Sem razão. Creio que lho devo isso, ponto.

E está a pensar viver mais tempo em Portugal?

Isso estava previsto desde que iniciámos a Fundação [José Saramago] e o nosso projecto era passar por ano, pelo menos, seis meses em Portugal. O que aconteceu é que pusemos em marcha a Fundação, mas a doença impediu--nos desse projecto.

Mas nunca pensara antes pedir a nacionalidade portuguesa?

Pensámos em vários momentos conjuntamente. Ele, pedir a espanhola, e eu, a portuguesa. Termos dupla nacionalidade os dois, mas eu recusei sempre que ele pedisse a espanhola.

Porquê?

Porque ele é um símbolo de Portugal e parecia-me que tinha de ser português a 100%, sem nenhum outro documento.

Acha que com a morte os portugueses vão olhar para José Saramago de outra forma?

Eu acredito que os portugueses olhavam muito bem para Saramago! Eu sei como o olhavam porque andava com ele pela rua. Quando fizemos A Viagem do Elefante, saímos de Lisboa, fomos a Constança, a Castelo Branco, e continuámos a subir até Figueira de Castelo Rodrigo, e bem vi como o acarinhavam! Quem não vai continuar a olhá-lo bem é quem já não o olhava antes. São três, quatro ou cinco pessoas que escrevem na comunicação social. Não são mais.

Não mudarão de opinião...

Não! Essas pessoas, que têm nome e apelido, vão continuar na mesma. Quanto ao resto das pessoas, que o olhavam bem e que gostavam de Saramago, pouco a pouco vão-se sentindo órfãos.

Designadamente muitos jovens que, aquando da morte, diziam que iriam passar a ler Saramago...

Esses foram os comentários. Uma coisa é o Saramago matéria de estudo - pesada - e outra é o homem rebelde e transgressor que nunca baixou a cabeça. Um homem com critério, mais jovem do que todos os jovens do mundo, trabalhando até à última hora, dinâmico e que enfrentava tudo. É um modelo para qualquer jovem - já o disseram; é o mais jovem de todos os escritores e o mais jovem de todos os jovens. Não há ninguém tão rebelde como Saramago. Rebelde contra Deus, contra a Igreja e contra o poder.

Muitos escritores quando morrem são esquecidos durante algum tempo. Será o caso de Saramago?

São esquecidos!… Entram é numa zona de sombra algum tempo após morrerem mas não imediatamente. Eu não sei se vai ser o caso ou não de Saramago, porque ele quebra todas as regras! Quebrou não frequentando a universidade; quebrou começando a escrever tão tarde e quebrou fazendo uma obra sem igual. Em qualquer caso, uma das missões que temos na Fundação é entrar nessa zona de sombra para resgatar os escritores que lá estão, como se fosse um purgatório. E estamos a fazê-lo com alguns nomes. Acabou de se publicar o livro de Rodrigues Miguéis e estamos a tentar que se republique toda a sua obra e o mesmo acontece com Jorge de Sena. Escritores que são de primeira linha e que não há direito que estejam esquecidos.

Essa foi, aliás, uma missão que José Saramago impôs nos últimos tempos.

É um objectivo da Fundação, resgatar a cultura portuguesa. É a nossa obrigação, não é um passatempo, entrar na zona de sombra daqueles nomes que são um valor e uma riqueza patrimonial.

Que outros nomes se seguem?

Agora lançámos um projecto com Almada Negreiros, que não está tanto na zona de sombra mas também sem o brilho devido, que é o livro Nome de Guerra. Queríamos começar com Escola do Paraíso, porque não está editado e ninguém consegue comprar esse livro, e estamos à procurar editor para ele. Há uma série de escritores que estavam já aprovados por José Saramago e sobre os quais estamos a trabalhar. Sempre escritores portugueses.

Quais serão as próximas iniciativas da Fundação José Saramago?

O último trimestre vai estar muito voltado para Saramago, porque há muitas homenagens em curso. Foi a Feira do Livro em Gua- dalajara, de Frankfurt, de Itália e do México, é na Biblioteca Nacional de Portugal… Só que, apesar de a Fundação não ser exclusivamente para José Saramago - para isso temos as editoras em todo o mundo -, entendemos que temos de estar atentos ao que se passa no mundo em torno da obra de Saramago.

A sua presença tem sido muito solicitada em eventos?

Sim, muitas vezes e todos os dias chegam pedidos. Evidentemente que é impossível poder assistir a todas as iniciativas mesmo que gostasse muito. Agora mesmo, em Paraty, vão fazer uma leitura ininterrupta da Jangada de Pedra e deveria ir ao Brasil, mas é impossível. É um exagero de convites e de energia mas, não podendo atender a todas as iniciativas, enviarei sempre uma mensagem. Estão a inaugurar bibliotecas com o nome de Saramago, põem o nome dele em praças e ruas! A mim, vão-me chegando as notícias pelos meios de comunicação porque nem sequer mo comunicam directamente.

Quando é que a Fundação vai abrir a sede em Lisboa? Em Junho de 2011?

Se calhar. É que as obras são muito complicadas porque encontram-se sempre mais vestígios arquitectónicos, o que obriga outros organismos a envolverem-se. De uma coisa estou certa: é que quando estivermos na Casa dos Bicos a Fundação vai ter outro tipo de visibilidade porque irá converter-se num centro de actividade cultural diária.

Pode adiantar o que se fará?

A Casa dos Bicos não será apenas aquilo que a Fundação Saramago organiza. Vai colocar à disposição de todos o espaço e haverá apresentações de livros, concertos e projecção de cinema político, entre muitas outras actividades. Nós oferecemos a Casa à comunidade para que seja um centro de actividade cultural diária e possa ser visitada diariamente.

Como será organizado o espaço?

A Casa dos Bicos tem cinco pisos. No primeiro, está o centro de interpretação arqueológica; no segundo, um centro de exposições permanentes de livros e assuntos relacionados com José Saramago; no terceiro piso, estará a Fundação propriamente dita; no quarto, será a biblioteca; e no quinto, ainda está por decidir.

Vai manter-se o gabinete que era para ser o do escritor?

Não, não somos mitómanos nem prestamos culto à personalidade.

Saramago ficou muito feliz com a cedência da Casa dos Bicos...

Por isso as suas cinzas irão ficar diante da Casa dos Bicos e por essa razão é que o arquitecto Manuel Vicente chorava desconsoladamente no sábado [do velório]. Dizia: "Eu vi os olhos de Saramago, iluminados, dizendo 'Vou ver o Tejo. Deste escritório vejo passar os barcos'. Foi aí, ouvindo Manuel Vicente, que pensei que Saramago teria de ficar ali e não noutro lugar. Não houve essa disputa pelo Panteão Nacional de que tanto se falou, porque ele tinha de ficar ali.

Se a questão do Panteão nunca se pôs para José Saramago, também a presença de Cavaco Silva no funeral foi uma falsa questão?

Quero deixar claro que Cavaco fez o que tinha a fazer.

Não ir foi o mais correcto?

Sim. Saramago e ele não tinham partilhado a vida e, por dignidade, muito menos teriam de partilhar esse momento final. Enviou as suas condolências e fez o que tinha a fazer. Eu não entrei nunca nessa polémica sobre se Cavaco teria de ir ou não porque me parece que aconteceu o que deveria.

Sempre pensa ir viver para Portugal em Setembro?

Volto. Vou ao Brasil, depois a Itália e aí parto para Portugal.

Mas está a pensar morar mesmo em Portugal?

Sim, sim.

Vai estabelecer em Lisboa a sua vida?

Sim.

Sentirá saudades de Lanzarote?

Vou sentir muitas saudades de Lanzarote... Mas vou voltar de vez em quando porque está cá [em Lanzarote] o espírito de Saramago. Foi aqui que criou o Ensaio sobre a Cegueira, Ensaio sobre a Lucidez, Todos os Nomes, a Caverna, as Intermitências da Morte e Caim e, por isso, este sítio não pode fechar-se. Está cheio de todas essas palavras, esses sussurros e ideias.

Como vai acabar a disputa com o fisco em Espanha?

Não sei no que vai dar! Saramago pagava onde tinha de pagar; como tinha de pagar; no momento em que tinha que pagar e o que tinha de pagar. Sem nenhuma engenharia financeira, sem nenhuma dedução por causa da Fundação, e fê-la com o seu dinheiro. Pôs os seus direitos de autor a pagar os ordenados das pessoas porque não era para ter vantagens. Porquê? Porque acreditou que poderia partilhar dessa maneira, e o que as finanças espanholas fizeram não tem nome.

Foi uma insensibilidade a questão ser anunciada após a morte?

Não, não. A insensibilidade foi dos meios de comunicação, porque isto aconteceu em Abril. A sentença já tinha saído mas publicaram--na no dia do funeral por alguma razão. Para nós não tem nenhuma interferência, porque Saramago cumpriu civicamente com os seus deveres e, quando isto começou há dez anos, pediu auxílio ao Governo de Portugal. O primeiro-ministro de Portugal e o primeiro-ministro de Espanha disseram-lhe que estava resolvido, e creio que ambos estavam convencidos de que assim era. Por outro lado, acredito que houve alguém dentro do fisco espanhol que teve muito empenho em que isto não estivesse resolvido.

Qual terá sido a razão?

Creio que foi uma perseguição claramente política. Quando o primeiro-ministro de Portugal e o primeiro-ministro de Espanha juntos disseram a Saramago que "isto está solucionado" é porque ambos acreditavam que estava. Mas desde logo alguém lhes estava a mentir. E foi aqui de Espanha, de alguém muito concreto de Espanha. Todo este problema surgiu quando Saramago pegou na bandeira da guerra contra o Iraque; quando Saramago enfrentou o Governo dos Estados Unidos e, também, o de Espanha por causa dessa guerra.

Quanto à herança de José Saramago, não há polémica?

Não!

Há um entendimento entre si e a filha, Violante.

Absoluto.

Fazem-lhe falta as polémicas que Saramago conseguia criar?

Não!

Consegue conviver com uma vida mais calma?

Saramago criava polémicas - criou-as inclusivamente depois de morto - mas a mim não me fazem assim tanta falta. Eu vivia--as porque estava ali e porque era a loba, insisto, mas não suspiro pelas polémicas. O meu marido era muito mais radical do que eu, que sou mais apaixonada. Mas ele, sim, era radical - então para a polémica - e entrava nelas com toda a força enquanto eu era muito mais apaziguadora. Ainda que pudesse parecer mais o contrário, era ele o radical.

O que é que lhe faltou fazer com José Saramago?

Nada...

Nada mesmo?

Sobrou-me uma coisa, o pequeno-almoço do dia em que morreu. Ele não queria comer mais e eu insisti: "Vá lá, José, acaba. Tens muitas células para alimentar." Só que eu não sabia que iria morrer uma hora depois. E obriguei-o… Insisti tanto que ele acabou docilmente a tomar o seu batido de frutas e o resto da refeição.

Como é a vida sem José Saramago?

É isto... (aponta para o vazio).

Dream On - “Um musical numa viagem ao Sonho” subiu ao palco no Casino Estoril

  O 10º aniversário, da Associação Palco da Tua Arte, foi assinalado com um espectáculo cujo o título foi Dream On – “Um musical...