sexta-feira, maio 21, 2010

Moção de censura ao Governo foi chumbada

Os votos contra do PS e as abstenções do PSD e do CDS-PP inviabilizaram esta sexta-feira, como se esperava, a moção de censura ao Governo apresentada pelos comunistas. O debate do texto do PCP foi dominado pelo pacote de austeridade, com a Oposição a acusar o primeiro-ministro de quebrar promessas ao aumentar impostos. Os sociais-democratas deixam um aviso a José Sócrates: o acordo entre ambos “tem prazo de validade”.

"Irresponsabilidade". Foi este o substantivo escolhido pelo primeiro-ministro para desferir um ataque à esquerda no dia em que o Parlamento foi chamado a debater e a votar a primeira moção de censura da legislatura. Pela quinta vez desde que chegou à chefia do poder executivo, em 2005, José Sócrates enfrentou uma tal iniciativa de reprovação da linha política do Governo socialista. Fê-lo, desta feita, sem o conforto de uma maioria absoluta e a expensas das abstenções de PSD e CDS-PP. No momento de abrir o debate, Sócrates fez recair sobre o PCP, autor da moção, e o Bloco de Esquerda o grosso das munições. Mas deu também o mote para aquela que seria uma das ideias mais repetidas pelo flanco socialista ao longo da discussão, criticando o PSD por optar pela abstenção quando é visado a par do Executivo no texto comunista.

"É preciso dizer que os partidos que se situam à direita neste hemiciclo, ao optarem pela abstenção, perdem uma oportunidade soberana para serem totalmente claros na recusa do oportunismo e da instabilidade política", atirou o primeiro-ministro.

Pouco antes, José Sócrates dirigira-se à bancada comunista para assinalar que a Assembleia da República era o "único Parlamento na Europa" que se reunia para "discutir se deve mergulhar o país numa crise política". Isto num momento de "plena crise nos mercados financeiros, perante um perigoso ataque especulativo e sistémico a toda a Zona Euro".

"Para o PCP, por extraordinário que pareça, este é o melhor momento para deitar abaixo o Governo e fazer novas eleições, mesmo apesar de Portugal ter acabado de sair de um ciclo de três actos eleitorais e de estar a pouco mais de seis meses de outras eleições, as eleições para a Presidência da República. Os portugueses julgarão se era mesmo de um debate sobre a conveniência de uma crise política que Portugal agora mais precisava. O país fica a dever mais esta ao PCP", criticou Sócrates, dirigindo-se, em seguida, ao Bloco de Esquerda: "Ao juntar-se ao PCP nesta irresponsável moção de censura, o Bloco de Esquerda revela também, com total evidência, que prefere estar de fora do círculo da responsabilidade política nacional".

"Sentimento de indignação e protesto"

Se José Sócrates imputa uma atitude de "irresponsabilidade" à esquerda parlamentar, o secretário-geral do PCP contrapõe que, a haver falta de responsabilidade política, ela pertence àqueles "que conduziram o país à estagnação e à crise com ruinosa destruição do aparelho produtivo e da produção nacional, que levou ao aumento sistemático das contas externas".

A responsabilidade do PCP, frisou Jerónimo de Sousa, "é perante o povo português e não perante um Governo que o não merece". Quanto à moção de censura, tratou-se de uma forma de levar à "tribuna da Assembleia da República um profundo e largo sentimento de indignação e protesto" perante as medidas de austeridade adicionais ao Programa de Estabilidade e Crescimento. PS e PSD formariam, durante o debate, que se prolongou até ao início da tarde, um alvo único para a ofensiva política comunista.

Segundo Jerónimo, a negociação de medidas entre socialistas e sociais-democratas teve como resultado a chantagem "sobre um povo que, levando pancada, devia comer e calar", assim como o embuste de "quererem fazer crer aos portugueses que os sacrifícios tocam a todos por igual".

"Diz o senhor primeiro-ministro que o Mundo mudou nestes 15 dias. Mudou, sim, para pior, para a massa imensa de milhões de trabalhadores", vincou o dirigente comunista, acrescentando que o mesmo Mundo citado pelo primeiro-ministro "não mudou nada para os interesses do capital financeiro". "O Mundo não mudou por um acto súbito. A situação resulta de um processo, de políticas erradas e do vergar do cerviz no quadro da União Europeia e da moeda única", concluiu.

Mais tarde, já na recta final para a votação da moção de censura, o líder parlamentar comunista, Bernardino Soares, tomaria o púlpito para garantir que a censura do PCP ao Governo continuaria fora do Parlamento, sublinhando que a rejeição da iniciativa formalizou a "aliança" entre o PSD de Pedro Passos Coelho e o Executivo de José Sócrates: "A censura não acaba aqui. Podem o PS, PSD e o CDS chumbar esta moção de censura, mas não travarão a luta contra a política de direita".

"Conjugação cósmica" entre Governo e PSD

O Bloco de Esquerda, que alinhou com os comunistas ao votar a favor da moção de censura, acusou José Sócrates de "aumentar os impostos para pagar aos agiotas", com base numa "conjugação cósmica" com o sucessor de Manuela Ferreira Leite na liderança do PSD.

"Os portugueses sabem muito bem o que não mudou. O que não mudou é que há um ataque especulativo de agiotas, os príncipes do subprime, contra a economia portuguesa e Portugal está a ser obrigado a pagar. Está-se a aumentar os impostos para pagar aos agiotas", lançou o coordenador político do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã.

Na perspectiva do dirigente bloquista, a negociação do aumento de impostos entre o Governo e o maior partido da Oposição revela "prepotência": "Uma lei que é aplicada antes mesmo de ser aprovada na Assembleia da República. É verdade que o PS e o PSD acham que basta a conjugação cósmica entre São Bento e São Caetano para poder retirar ao Parlamento a responsabilidade e o dever constitucional para tomar todas as decisões sobre os impostos. O senhor primeiro-ministro chama a isto o círculo da responsabilidade. Eu já tinha ouvido isto, suspender a democracia".

Para ilustrar o significado do agravamento de impostos, Louçã argumentou que os 300 milhões de euros do aumento do IVA correspondem a "30 bónus de Paulo Teixeira Pinto, que não paga imposto sobre o bónus especial", enquanto que os 17 milhões de euros do IVA sobre medicamentos equivalem a "quatro bónus de Mexia e dois de Rui Pedro Soares". Já os 500 milhões de euros resultantes do agravamento do IRS correspondem, segundo o deputado do Bloco de Esquerda, a "15 Jardins Gonçalves, que não pagam imposto em IRS especial sobre os bónus especiais". "O senhor primeiro-ministro chama a isto proteger o Estado social? Senhor primeiro-ministro, não brinque com coisas sérias. A desigualdade dos sacrifícios é que é democraticamente inaceitável", afirmou.

Na resposta, Sócrates acusou o Bloco de Esquerda de andar "a reboque do Partido Comunista". "A esquerda só tem um comportamento táctico, acha que deve crescer à custa do Partido Socialista e tudo tem feito, em particular o Bloco de Esquerda, em todos os domínios, quer nas legislativas, quer nas autárquicas", devolveu o primeiro-ministro.

Francisco Louçã confrontaria ainda o Governo com o que disse ser a "desigualdade gravíssima" nas novas tabelas de retenção na fonte, publicadas na quinta-feira em Diário da República. "A portaria tem como alvo os mais fracos", disse o dirigente do Bloco de Esquerda, salientando que, para os rendimentos até 587 euros, a retenção na fonte duplica, tal como nas pensões até 760 euros.

Governo "faz tudo ao contrário do que prometeu"

As críticas à quebra de promessas eleitorais, por parte do Executivo de Sócrates, foram igualmente audíveis entre os parceiros dos comunistas na CDU. A deputada do Partido Ecologista "Os Verdes" Heloísa Apolónia sustentou que "um Governo que faz tudo ao contrário do que prometeu na campanha eleitoral deve ser censurado".

"O que o senhor primeiro-ministro disse teve o objectivo de obter votos e uma maioria", afirmou a deputada do PEV, dando como exemplo o aumento do IVA. "Que credibilidade tem um primeiro-ministro que faz isto recorrentemente? Que credibilidade têm um primeiro-ministro e um Governo que perderam a consciência do que estão a fazer ao país?", perguntou.

Para Heloísa Apolónia, um primeiro-ministro "que diz que o Programa de Estabilidade e Crescimento não pede sacrifício" aos portugueses "perdeu completamente a noção da realidade e deve, claro, ser censurado": "Tudo o que diz já não comporta credibilidade. As pessoas desconfiam de todas as palavras e de todas as ideias do senhor primeiro-ministro. Com a demagogia permanente e a necessidade de criar uma boa imagem, o que faz é descredibilizar-se a si próprio".

Sócrates dirigiu-se, então, a bloquistas, comunistas e verdes para dizer que, se o seu Executivo tivesse optado por "nada fazer depois dos ataques intensivos nas duas últimas semanas" sobre a dívida soberana do país, "isso sim, seria faltar a um compromisso de responsabilidade".

"Nada fazer seria a maior ameaça ao crescimento e ao emprego. Significaria pôr em causa o futuro e a credibilidade da economia portuguesa. Todos repararam que, à nossa esquerda, criticam as medidas do Governo. Mas já notaram alguma proposta, alguma sugestão? Isto é que lhes dói. Qual seria a alternativa do Partido Comunista? Nada. Qual seria a alternativa do Bloco de Esquerda? Nada", insistiu o primeiro-ministro, provocando sonoros protestos entre as bancadas à esquerda dos socialistas.

Entendimento entre PSD e Governo "tem um prazo de validade"

Da bancada dos sociais-democratas - criticada à esquerda por estar ao lado do Governo no pacote de austeridade e atacada pelo socialistas por se abster na votação da moção de censura - saiu um ultimato político ao Governo. O PSD não receia a "ruptura" e não deixará de assumir "responsabilidades" na busca de um "caminho alternativo", caso o Governo não cumpra as medidas e calendários negociados com o maior partido da Oposição. Quem o garante é o líder parlamentar do PSD, Miguel Macedo, que deixou claro que o entendimento "tem um objectivo claro": "Defender o país num momento de emergência nacional e ajudar a colocar ordem nas descontroladas contas do Estado".

"E é um acordo que tem um prazo de validade. Ele incide em medidas concretas para 2010 com consequências até 2011. No final de 2010 e mais tarde, em 2011, esse acordo será avaliado", enfatizou Miguel Macedo.

"Se for cumprido pelo Governo, o país ganhará com isso. Se não for cumprido ou for desvirtuado pelo Governo, aqui estaremos para tirar as nossas conclusões e assumirmos, sem medo da ruptura, as nossas responsabilidades, enquanto líderes da Oposição e partido alternativo à governação de Portugal", assegurou o dirigente social-democrata.

Se o Governo fracassar, insistiu Miguel Macedo, "os portugueses devem poder julgar o Governo e decidir sobre o novo caminho alternativo a seguir.

Ainda pelo PSD, Marques Guedes, antigo secretário-geral do partido, acusou o primeiro-ministro de ter sido, há um ano, "cúmplice com a mentira" a propósito do alegado quadro de controlo das contas públicas. Ou, em alternativa, de ter sido "enganado". Segundo o deputado social-democrata, "as altas instâncias" do Ministério das Finanças sabiam, em 2009, da derrapagem orçamental, quando Sócrates continuava a asseverar que "a trajectória da despesa estava de acordo com o previsto". Uma contradição que mostra que "o Governo faltou à verdade deliberadamente quando, no final do ano, comunicou a sua surpresa": "O senhor primeiro-ministro ou colocou-se numa situação de cúmplice, ou foi um primeiro-ministro enganado, sendo o último a saber".

"Se o PSD sabia, em 2009, que a situação nos mercados financeiros se iria agravar, então por que razão propuseram baixar o impostos e aumentar as despesas do Estado? O PSD propôs medidas que aumentavam a despesa orçamental em 857 milhões de euros", retorquiu José Sócrates. Em defesa do Governo, o líder parlamentar do PS, Francisco Assis, manifestaria "sérias dúvidas" sobre o empenho do PSD no apoio às medidas de austeridade, questionando-se se os sociais-democratas "participam no esforço" por "puro oportunismo".

Portas contra aumento de impostos "por despacho"

O líder parlamentar do CDS-PP, Pedro Mota Soares, instou o primeiro-ministro a clarificar se o Governo vai remover apoios às micro e pequenas empresas com vista à contratação de trabalhadores com mais de 45 anos e incentivos à contratação de jovens. Por sua vez, a deputada Assunção Cristas questionou a constitucionalidade do aumento do IRS já a partir de 1 de Junho, graças à actualização das tabelas de retenção na fonte - a proposta de lei é debatida na Assembleia da República a 2 de Junho.

"Um trabalhador que seja despedido a 31 de Maio vai pagar sobretaxa de IRS em Junho? Por que razão a ponderação do Governo na cobrança do IRS em 2010 é de sete doze avos e não sete catorze avos?", perguntou a deputada democrata-cristã.

José Sócrates acusou o CDS-PP de ser "verdadeiramente contra a redução da despesa pública". Paulo Portas questionou o primeiro-ministro sobre "o valor que dá à palavra dada", bem como a legitimidade da aprovação do aumento de impostos por despacho.

"Há 15 dias, eu fiz-lhe uma pergunta, se o senhor ia aqui trazer um pedido de subida do IVA, e o senhor saiu daqui todo satisfeito a dizer que não há IVA que suba. Quinze dias depois, estamos no Parlamento, subiu o IVA e agora vão subir as taxas do IRS. Qual é o valor que dá à palavra com que se compromete com os eleitores?", lançou o líder do CDS-PP. "O que mais maça e indigna as pessoas", prosseguiu Portas, é que Sócrates "não tenha a humildade de reconhecer que não foi capaz de cumprir os seus compromissos".

Paulo Portas quis ainda saber se o primeiro-ministro "se sente cómodo, democraticamente confortável, com o facto de fazer um aumento de impostos por despacho, alterar uma tabela de retenção na fonte por despacho, que não pode ser sindicado pelo Parlamento, pelo Presidente da República".

Sócrates insiste no TGV

Os sociais-democratas exigiram também explicações do Governo sobre a ligação da alta velocidade ferroviária entre Lisboa e Madrid, depois das recentes declarações do ministro espanhol do Fomento sobre a reavaliação de projectos de obras públicas. Pelo PSD, Miguel Macedo disse que as afirmações de José Blanco deixam claro que "não está assumido do lado espanhol" o compromisso de construção, no prazo estipulado, da ligação de TGV entre as duas capitais ibéricas. José Sócrates acusou o PSD e o CDS-PP de estarem a induzir os portugueses em erro: "Ambos os partidos aproveitam seja lá o que for, mesmo que seja mentira, como argumento contra o TGV. Tiveram um grave erro de precipitação".

"Essa ligação entre Lisboa e Madrid é uma ligação estratégica para o nosso país, que deve ser concluída rapidamente, dentro dos compromissos assumidos com os espanhóis, por forma a que Portugal não fique numa situação excêntrica na Europa", reiterou o primeiro-ministro, alegando que o governante espanhol "fez uma declaração genérica sobre as obras genericamente em Espanha".

Sócrates garantiu, ainda, que em Espanha "há quatro troços em obras", puxando, depois, de algumas fotografias e de um mapa. Na réplica, o líder parlamentar do PSD disse tratar-se de "adjudicações pequenas" e decididas antes das declarações proferidas na quarta-feira pelo ministro espanhol do Fomento. "Os portugueses olham para o aumento de impostos, por um lado, e para o lançamento do TGV, por outro, e não vêem neste comportamento do Governo um critério de equidade, de bom-senso e de responsabilidade", salientou.

A meio do debate parlamentar, o ministro das Obras Públicas, António Mendonça, deixou o hemiciclo para falar aos jornalistas sobre o TGV, adiantando que contactou na quinta-feira o homólogo espanhol, que, disse, "ficou muito impressionado com as notícias que estavam a circular em Portugal". "Quero acrescentar que, a 8 e 9 de Junho próximos, haverá uma reunião entre os governos de Portugal, Espanha e França em que se firmará um memorando de entendimento para que a União Europeia considere o eixo Lisboa-Madrid-Paris prioritário entre os eixos prioritários", indicou o governante.

A "conferência de imprensa" extra-debate levou o líder parlamentar do PCP a perguntar ao presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, se considerava respeitosa a atitude do ministro.

A moção de censura do PCP foi rejeitada com os votos contra do PS, as abstenções de PSD e CDS-PP e os votos favoráveis de comunistas, Bloco de Esquerda e Partido Ecologista "Os Verdes". A aprovação de uma moção de censura exige uma maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções (116) e tem como resultado a queda do Governo.

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